terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Tem um mundo de gente, aí!



“Às vezes me dá enjôo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só.” ( Clarice Lispector).
Poderia acrescentar a palavra “incomum” depois de gente no fragmento acima citado pela também “incomumparável” Clarice Lispector: Às vezes me dá enjôo de gente incomum. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só.
Hoje vi uma garota com um piercing na unha enorme do dedo mindinho esquerdo, daqueles em formato de aro, pensei qual seria a tribo a que ela pertence? São tantas nesse mundo, todos buscando identificação com algo, se agrupando em interesses, antes mais ideológicos que hoje. Agora parece que a coisa é mais estética, para dizer que você gosta de reggae, faz-se dreadlocks nos cabelos, por que não gostar simplesmente de reggae ou dos cabelos assim? Não!! Uma coisa leva a outra, é tudo um conjunto. Vejo gente se conceituando na internet, TV, revistas e em todos os meios que alcance o outro para dizer: “Sou diferente!”. Que nada, você seguiu todo o percurso dos outros, nasceu, andou, menstruou, “orgasmou”, etc. O que muda são as afinidades e escolhas, e isso só te torna mais um nesse mundo porque certamente alguém te inspirou a ser o que tanto busca. Infelizmente, você chegou tarde nessa era e dificilmente vai ditar alguma tendência, o que pode fazer é agrupar coisas e valores não afins dentro do seu cotidiano de um jeito interessante. Que textinho chato, hein? Aprenda que ser eclético é muito diferente daquilo que te consome horas para chamar a atenção dos outros.
Você sabia que algumas pessoas lá do norte da Europa não entende porque aqui todo mundo tem filho? E não é crítica, é curiosidade de quem nasceu numa sociedade onde as pessoas não se reproduzem mais como comem e morrem. Uma vez estava no alto das montanhas, nos Pirineus, fronteira da Espanha com a França e fazia muito frio lá em cima. Fui com o grupo jantar na casa de nativos e eles botaram na mesa o que de melhor havia, nos ofereceram enormes pedaços de gordura animal (não tive nem coragem de perguntar a procedência) cozida, é o que eles comem para ajudar o corpo a suportar o frio. Engoli pequenos pedaços, para não fazer feio, com ajuda de goles do bom vinho de La Rioja, afinal de contas, não queria virar picolé.
Vendo ali aquelas pessoas com hábitos primitivos, mas tão verdadeiros, me dei conta de que as cidades cosmopolitas que conheci acolhem pseudo etnias perdidas no Gran Espetáculo chamado: Globalização. Nascendo e vivendo em Salvador posso contar-lhes alguns costumes como o de vestir-se de branco e comer caruru nas sextas-feiras, ver o pôr-do-sol no Porto da Barra e aplaudir, ir ao Bonfim na última sexta-feira do ano e lá mesmo batizar o carro novo, freqüentar o Pelourinho nas terças-feiras na benção do Olodum e o Pimentinha nas segundas. Além da empolgação única quando desponta o tiranossauro Rex (trio elétrico do grupo Chiclete com Banana) na Av. 07 de Setembro em pleno domingo de carnaval. Sim, a música é atmosfera da cidade, as pessoas endeusam o tão criticado Axé, a ponto de não conhecer outros segmentos, aqui se faz, aqui se ouve e o coração acelera ao som da mais nova composição carnavalesca de Carlinhos Brown, na voz dos inúmeros intérpretes.
Essa energia dispensada na construção do alienígena que existe em você te afasta do seu Eu, cria uma máscara que não cabe na sua cara. Quanto mais conhecemos, mais nos envergonhamos de alguns gostos essenciais e os guardamos na área de serviço, o lugar menos freqüentado da casa. Antigamente, tinha vergonha de expor coisas simples como, por exemplo: não dizer que não gostava de Coca-Cola para não parecer chata, que tirei o piercing do umbigo porque achei horrível depois que o coloquei e que não simpatizo com Havaianas fora da praia, nem com All Star em lugar nenhum. Esses já foram superados, outros não, e por isso não os contarei, mas o de não tolerar tipinhos fakes alternativos, posso falar. E não descarto a possibilidade de um dia “tomar no gargalo” uma coca bem gelada, de calçar umas havaianas para ir a uma loja comprar um all star azul, cano alto, e furar de novo meu umbigo.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Fecundando idéias


Fecundando idéias, fecundando sonhos, desenvolvendo lugares, amadurecendo desejos, entendendo o porquê de algumas coisas, o porquê das cores do arco-iris e procurando cabelo em ovo, por que não?
Quero parir estórias de cócoras, parir o que se sente ao descobrir a graça daquela música, até então sem graça, a dimensão que ela toma, não sentida na primeira "ouvida", e amá-la por osmose, pelo fato de ter dado a chance de permti-la no momento certo e o momento certo nem sempre é o primeiro, às vezes é preciso esperar e esperar.
Quero amamentar a presença dos meus amigos, a curiosidade dos meus alunos, as viagens que me apresentaram novos cheiros, o cheiro dos livros que me proporcionaram as melhores viagens. Dos meus seios escorrerão a seiva e ao bebê-la, eles comungarão com a minha essência.
Depois é chegada a hora de ensinar aos meus pensamentos a falar a língua da liberdade, o esperanto que não deu certo, a importância de sermos quadrúpedes antes de bípedes, a sentir a forma das coisas com a língua, salivando-as, mesmo que não haja dentes para mordê-las. E quando os dentes surgirem, que logo se aprenda a lidar com eles, já que são as cortinas e as armas da nossa cara: quando abertos expressam o bom da alma, fechados podem arrancar pedaços dela.
E vem o momento da alfabetização, do casamento das letras na imaginação. Momento de conhecer a generosidade das consoantes em receber o som das vogais, e certas horas ser como o "H", que sozinho não soa, incorporando o som da primeira vogal que encontra pela frente. Ou então, casar-se três vezes: com a curva "Ch", com o ângulo reto "Lh" e com o traço "Nh", cultivando a realização plena com o que cada um lhe oferece.
Uma vez alfabetizada, o futuro é um mistério, e apenas os sonhos e o tempo o alimentam. O mundo tem as portas escancaradas e posso ser árvore ou pássaro quando bem quiser. Claro que a essa altura, na rosa dos meus trinta e dois anos, algumas escolhas já convivem comigo e estamos dando conta do recado, na medida do possível, mas quero mais, quero muito mais, cada vez mais, mais e mais. Quero a intensidade, a verdade, o vermelho e o azul vivos em cada momento vivido.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Olhos grandes



Tenho olhos grandes que me deram alguns traumas quando achava que tudo era imenso a minha volta. Experimente entrar naquela escola que você aprendeu a ler e que tudo lhe parecia gigante: as mesas, os jogos, a lousa e o jardim..ah! esse era o maior de todos!!Á medida que crescemos, os espaços diminuem para dar-nos conta de que precisamos galgar, mantendo a visão infantil de lupa. Lembro-me que na minha escola tinha um trenzinho de concreto vazado, na entrada, que entrávamos por um lado e saíamos pelo outro cantarolando: “piui, piui, piui, bote a mão no meu ombro, piui, piui, piui, não deixem o trem descarrilhar...” e seguíamos naquela ciranda sem fim. Por muitos anos, fiquei com aquela imagem de trem já que na minha cidade não o tínhamos diante do nosso nariz, não conheci o trem de Salvador, só sabia que era velho e circulava no subúrbio. Quando fui à Europa e viajei nos trens, vi que eles nada tinham a ver com aquele trenzinho de concreto e colorido que conheci e viajei. Meus olhos grandes mergulharam naqueles vagões e no vai-vem de tanta gente diferente. Se eu tivesse conhecido esse trem na época do outro trem, veria que existe gente com os olhos muito maiores que os meus, e certamente não teria o apelido de “zoiudinha”.
Chapeuzinho Vermelho perguntou ao lobo mau: “Por que esses olhos tão grandes?” – ele respondeu: “ È para te ver melhor!”. E, eu, digo: quem dera!! Quem dera se eu e o lobo pudéssemos ver melhor com os grandes olhos que Deus nos deu. Assim, eu teria de imediato uma resposta para dar àqueles que me chamassem pelo alcunha acima. Pensava em algo, alguém belo para dizer: sim, meus olhos são iguais aos de...”, mas não encontrava nenhum além dos do meu pai, que me davam medo, quando me olhavam firmes, nessa época. Percorria o mundo dos animais e só me apareciam batráquios. Até a minha melhor amiga, uma pinscher “zoiudíssima”, que vivia conosco, não era sinônimo de beleza no mundo dos cães e todos me associavam a ela.
Reforçando a minha desesperança, o cineasta americano, Steven Spielberg estreia o grande sucesso de bilheteria: E.T., O Extraterrestre (1982), aquela figura esquisita, com os olhos verdes imensos, mas maravilhosamente curiosos e comoventes. E na emoção desses olhos me fortaleci e depois de um tempo percebi que olhos grandes eram signos de mistério, porque diante de tanta exposição era preciso encontrar uma defesa: a ambiguidade. Desejos revelados em olhares que não os denotam e dão mil possibilidades que afasta cada vez mais a percepção do óbvio.
Os “janelões” da alma confundem e quando bem maquiados podem até hipnotizar e como bem cantou Chico Buarque, em Caruso: “...mas como estás com pressa e não paras jamais/ seria o caso de nadar, sem esquentar a cabeça/ deixar-se levar pra dentro de dois olhos grandes.”

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pelo Sabor do Gesto, disco, shows e encontros.


Pelo Sabor do Gesto (PSDG) é o nome do novo disco de Zélia Duncan, cantora que transpira música no sentido real da coisa, vê-la e ouvi-la é perceber que a música tem alma, a alma de quem a compôs, sentiu, imortalizou e entregou aos nossos ouvidos.
Conheço bem todos os seus discos, Zélia surgiu para mim no finzinho da minha adolescência e o Intimidade tem uma participação íntima e especial na minha vida.
Voltando ao PSDG, este consolida o crescimento musical dela e se antes disse transpirar, agora digo transbordar. Nesse disco, Zélia transborda musicalidade e tive a oportunidade de ver o show duas noites seguidas, coisa que nunca tinha feito antes, mas como havia uma expectativa muito grande, resolvi ir até o último acorde.
Para a minha felicidade o disco foi tocado na íntegra, a banda com quatro músicos se multiplicou por quarenta. A cada faixa visitei vários lugares, e em determinados momentos, como o da música que intitula o disco, minha poltrona parecia querer sair do lugar tamanho o efeito que a interpretação, naquele fundo azul, me causou.
A música Pelo Sabor do Gesto, questiona as formas de amar e preza o amor na sua forma pura e original. É uma versão da francesa As-tu déjà aimé?(Alex Beaupain) cantada no filme Les Chansos d`amour (2007) que foi um dos coadjuvantes desse projeto, pois dele saíram duas versões, além da que citei tem também Boas Razões, filha de De Bonnes Raisons (Alex Beaupain). As duas versões mantiveram os temas originais adicionados a doses significantes de delicadeza na sua totalidade.
“Todos os Verbos” é interpretada (não toda) em linguagem gestual, e é um jogo de conceitos entre verbos e adjetivos que no refrão se resumem ao verbo Amar, como se este fosse o recipiente e os outros verbos( errar, sorrir, trair, etc) fossem ingredientes do maravilhoso manjar da vida : O Amor.
E o amor segue como sujeito de “ Sinto Encanto”, parceria com Moska, mas agora de maneira misteriosa, silenciosa e desconhecida. Uma melodia leve tocada ao violão e ao embalo dos sorrisos e olhares de Zélia lançados sobre a platéia atenta que parecia sentir de fato, o Encanto.
As músicas do PSDG são incrivelmente lindas!! Letras bem elaboradas totalmente harmonizadas às melodias, um disco romântico, não clichê , coisa difícil nos dias de hoje e nos de ontem também. Quem bebe dele aprimora os ouvidos, experimenta novas sensações ao tempo em que aprecia os malabarismos da língua portuguesa escritos por quem realmente sabe compor e tem intimidade com ela. “ Se um dia, me quiseres”, “ “Nem tudo”, “Se eu fosse”, “Aberto” e “Tudo sobre você”, são expoentes disso.
Falando em “Intimidade”, essa música foi incluída no show. Uma surpresa que reforçou o clima intimista daquelas benditas horas!! Fomos presenteados com um arranjo mais forte, interpretação arrojada, um suspiro antes da última frase: “ não dá pra fingir”e se não me engano, no meio da música, com uma “banana” inesperada ,seguida do “confessa, seu tombo é aqui!”.
Foram incluídas também “Alma”, “Catedral”, “Não vá ainda”(no bis) e “Felicidade”, de Luiz Tatit. Vale ressaltar, a beleza que foi essa última, transportando o público do teatro ao circo, num misto de humor com dúvida e um pouco de tragédia, a canção faz uma reflexão e brinca com o sentimento de felicidade, nos fazendo pensar e sorrir ao mesmo tempo, tamanha a criatividade dos versos. Neles é possível retomar a temática de “Balada do Louco”( Rita Lee e Arnaldo Baptista -1986): a felicidade sem motivos aparentes, o rir à toa, capacidade geralmente atribuída aos insanos. A diferença é que Tatit se mostra muito consciente na sua posição de “feliz” e desiste ao final de procurar a causa, decidindo “ ser feliz pra sempre”. Zélia nos apresentou um lindo cantar-falar-atuar, lado que eu ainda não tinha visto ao vivo e a cores.
Ahh!! Aquelas cores do cenário mergulhadas naquele azul inebriante pareciam um sonho daqueles que não se quer acordar!!
Esses foram, sem dúvida, os melhores shows da minha vida!! E posso dizer que em meio a uma fase tão difícil, em que já estava conformada com a idéia de que o futuro me daria , para sempre, momentos “quase felizes”, eis que surge a música. Veio e me resgatou de um buraco, mostrando que por pior que sejam os tombos, tem sempre algo maior que te faz levantar e até sorrir, e muito!!.
Claro que para isso, além da música, contei com um elenco de peso: Zélia Duncan (artista, pessoa e obra), Natival, Elissama, Leonardo e Fabiano. Essas pessoas protagonizaram o meu recomeço, sem nem se darem conta disso, pelo simples sabor dos encontros, risadas e emoções compartilhadas. Obrigada por botarem um sorriso na minha cara Pelo Sabor do Gesto.

Rosângela Santiago, 04/12/2009.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

As rosas e nós


Sim, eu sou apaixonada pelas rosas, até tatuei uma só para ter a sensação de que as recebo diariamente. As rosas causam impacto onde passam e entre todas as flores conseguiu se firmar como o símbolo do imaginário romântico, pelo menos no mundo ocidental. É de todas a mais pop, não se sabe o porquê de tanta popularidade. Cada cor simboliza um sentimento e a vermelha como todos sabem reluz a paixão, a vida e a força. Vamos combinar que o vermelho, além de ser a cor mais bela é o maior aliado das rosas.
A natureza realmente caprichou quando criou uma flor de forma tão sutil e assimétrica, como se quisesse compensar os espinhos que ela carrega no corpo, armadilhas que te ensinam a tocá-las de maneira cuidadosa. Se tocar com força no no caule,se machucará, e se você, mesmo machucado, insistir e agarrá-las pelas pétalas, é a flor que vai se machucar.
Curiosa relação: ou você se machuca ou machuca as rosas para não se machucar.
Talvez conosco o processo seja inverso, quando nosso corpo é invadido, agarrado sem aviso prévio, nós é que sofremos depois por termos nos deixado levar.
De outro modo, quando nos “tocam” a cabeça com força, nos tornamos tão donos de si ,que poderíamos construir ou destruir os mais belos jardins.

Crer ou Acreditar?


Eu quero crer no amor numa boa, que isso valha pra qualquer pessoa que realizar a força que tem uma paixão!!” (Lulu Santos).
As crenças são indestrutíveis e carregam um tom de eternidade tão forte, que o verbo Crer é um desconhecido no pretérito perfeito. Você já ouviu alguém dizer que já creu em algo?
Tipo... eu cri no que ele falou mesmo sabendo que poderia ser mentira, mas ela não creu.
Preferimos o ACREDITAR, ou seja e mais fácil dar crédito que CRER apesar dos dois terem o mesmo significado.
O que importa o significado se quem manda é o contexto?? As palavras sinônimas vão se distanciando à medida que os contextos determinam os seus rumos. Dar credito é uma expressão mais capitalista e combina mais com esse mundo moderno e Crer é mais comprometedor, tem um tom religioso também. As crenças não se perdem e se perpetuam assim como os sentimentos verdadeiros porque são plantadas quando passamos a “nos conhecer como gente” . Algumas se perdem por serem típicas da infância; quem nunca imaginou a figura do Papai Noel entrando pela janela na noite de Natal? E a realidade vai se mostrando tal como é, quando aquele amiguinho chega pra você e diz: “ Papai Noel não existe, seu besta! É seu pai que bota lá o presente!!”
Que decepção! Melhor que o adulto, a criança sabe se fortalecer com as decepções porque ela vai passando aquilo adiante com um superação incrível!! A desconstrução daquela crença numa cabeça de pouca idade é transformada em momentos de complexo de superioridade, simplesmente para dizer: Eu cresci e não acredito mais em Papai Noel!!
Esse processo é fantástico, puro e lúdico.
E nós? Acreditamos nas pessoas, nos conceitos, nas teorias, em Freud, na fórmula da coca-cola, em Deus, etc... mas nem sempre somos capazes de nos tornarmos maiores quando essas crenças vêm abaixo ou nos põe em dúvida.