segunda-feira, 15 de março de 2010

"Quer dar uma espiadinha?"

Finalmente chegamos a era formadora da mediocridade em massa. Graças à televisão brasileira, a nova geração se dedica a contar, discutir e julgar a vida alheia. Se observar a programação das maiores emissoras de canal aberto verá que grande parte do tempo é dedicado aos assuntos mais vendidos e rentáveis: fofoca, intriga e manipulação. São mais que quatro horas diárias de telenovelas, além do partido político chamado Big Brother que se fosse realmente um Grande Irmão, em forma de gente, certamente seria eleito presidente nas próximas eleições e no primeiro turno. Tudo bem, o fenômeno nascido na Holanda, também é apresentado em vários países desenvolvidos, e no início bateu recordes de audiência, mas a escala foi decrescente a cada ano. No Brasil, foi o inverso, esta é a décima edição de um programa que prende grande parte dos brasileiros na cadeira, e isso é preocupante.
Doze anônimos dentro de uma casa, sem contato com o mundo, num jogo de fofoca concorrendo ao prêmio de um milhão de reais. Um apresentador que os chama de “heróis” e que convida as pessoas para “darem uma espiadinha”. O que isso pode ter de tão interessante a ponto de fazer com essas pessoas paguem para eliminar (esse é o verbo) o mártir da semana contribuindo com a caixinha dos um milhão que serão pagos ao “vencedor”? Vencedor de quê? Das provas mais bizarras e humilhantes e das fofocas mais homéricas do horário nobre? Quais são os valores passados a uma sociedade que tem um “campeão” com essas habilidades? E as crianças, que ainda não têm uma formação ética, mas que conhecem o valor de um milhão de reais? Lamentável.
A ilusão das imagens dos belos corpos, personagens estereotipados satisfazem a carência de personalidade e atitude de um povo que só consome sem saber o que está consumindo, mas consome. Quanto tempo desperdiçado na frente da TV, dedicado às novelas longas e repetitivas enquanto se tem um mundo de portas e janelas abertas esperando ser descoberto por pessoas que falem a língua da natureza, que tenham o mínimo de noção de respeito com o próximo, que valorizem o gosto dos encontros na vida real.
A escravização pelos meios de comunicação de massa tapa todos os sentidos, não se ouve mais: “quem é? Amiga, nem reconheci a sua voz”, não se fala mais: “eu sei o que é, mas não sei explicar!”, não se olha mais: “Você chegou que horas? Nem reparei!”, não se toca mais: “ Olhe, mas não pegue, menino!”, não se cheira mais: “esse cheiro não me é estranho, não consigo lembrar! e os sabores : “de que foi mesmo aquele suco, hein?”. Essa abstração digital só faz aumentar a caixinha dos desejos de possuir coisas que não serão suas porque já têm dono, afastando-o do mundo sensorial. É mais “prático” ficar sentado vendo e fantasiando a vida alheia num quadrado do que tecer a própria quando não se tem meios nem capacidade para isso. E a impotência persegue os que tentam capacitar, educar e sobretudo amar indistintamente.

Um comentário:

  1. Ótima análise! O que percebo como motivo de tanto sucesso desses programas e a sensação de autoridade que é dada ao telespectador ao lhe ser permitido eliminar alguém. As pessoas julgam as outras, apontam seus defeitos, mas esquecem de olhar para elas mesmas. É mais cômodo atacar o próximo.

    A maioria assiste aquilo "bestializada". Não questiona. Se quer parecer questionador, basta dizer: "É culpa da Globo!", mas quase nenhum busca o refúgio.

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