quarta-feira, 3 de março de 2010

Salvador, minha cidade natal!



Arnaldo Jabour incorporou totaLmente o espírito da cidade e escreveu um texto que retrata a nossa atmosfera.

COLUNISTA EM CRISE QUE NÃO CONSEGUE VOLTAR DAS FÉRIAS

“Não consigo ir embora da Bahia. Acabaram minhas férias e continuo aqui.
Mesmo que eu viaje depois do Carnaval, levarei a Bahia comigo.
Não se trata de louvá-la; quero entendê-la, não com a cabeça, mas com
o corpo, com as mãos, com o nariz, entender como um cego apalpa um
objeto, entender por que este lugar é tão fortemente estruturado em
sua aparente dispersão.
Aí, descubro que, ao contrário, a Bahia me ajuda a “me” entender.
Na Bahia, percebo que sou neurótico, obsessivo, sempre em dúvida,
ansioso.
Gostaria de estar na Praia do Forte, quieto, dentro do mar, como um
peixe, como parte da geografia e não fora dela.
Salvador não é uma “cidade partida” como é o Rio, nem a cidade que
expele seus escravos, como São Paulo, que um dia será castigada,
estrangulada por sua periferia. Aqui, de alguma forma misteriosa, todos
são donos da cidade.
Uma cidade erótica e religiosa, plantada nos cinco sentidos, fluindo
do corpo e da terra. Tudo se sincretiza, natureza e cultura. Amores
fluem.
Os deuses não estão no Olimpo; são terrenos e florestais, estão na
rua, no dendê, nas palmeiras.
Tenho uma espécie de inveja e saudade desta cultura integrada, dessa
sociedade secreta que vejo nos olhares das pessoas falando entre si,
uma língua muda que não entendo, tenho inveja da grande tribo popular
que adivinho nos becos e ladeiras, das pessoas que riem e dançam nas
beiras de calçada, que se amam na beira-mar, tenho inveja desta
cultura calma que vive no “presente”, coisa que não temos mais nas
“cidades partidas”, sem passado e com um futuro que não cessa de não
chegar.
Nesta época maníaca, que se esvai sem repouso, aqui há o ritmo do
prazer.
A civilização que os escravos trouxeram criou esta “grande suavidade”,
este mistério sem transcendência, este cotidiano sem ansiedade, esta
alegria sem meta, esta felicidade sem pressa. Aqui a cultura vem antes
da lei.
A sinistra modernidade tenta adquirir a Bahia, possuí-la, apropriar-se
das praias, das ilhas, dos panoramas.
Mas mesmo o progresso urbano e tecnológico aqui fica domado de certo
modo pela cultura. E o moderno ganha uma aparência única.
As festas do ano inteiro não são diversionistas, orgiásticas, para
“divertir'’, são para integrar….
Não é uma sociedade, mas um grande ritual em funcionamento.
O Brasil aflito, injusto, imundo, inóspito devia aspirar a ser Bahia.
Aqui dá para esquecer o jogo sujo do Congresso em Brasília, aqui você
não morre afogado na enchente da marginal Tietê, nem o Ronaldinho é
assaltado com revólver na cabeça.
Não conheço lugar mais naturalmente democrático.
E, por isso, não consigo ir embora.
Vou comprar uma camiseta “NO stress” e ficar bebendo água de coco e
caipirinha para sempre.
E eu faço o que…..trabalhando diante de um visual desse???”

Arnaldo Jabor- PARA O JORNAL O GLOBO

Um comentário:

  1. Essa e minha Bahia! ainda bem o Arnaldo Jabor entendeu o porquê do baiano ser tranquilo e Zen.. È o clima dessa cidade, não tem quem venha a Salvador e não saia contagiado..

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